quinta-feira, 15 de maio de 2014

MENSAGENS


Olá pessoal, espero que nosso blog tenha ajudado vocês.
Nele você encontra diversas dicas, projetos, filmes, dentre outras coisas importantes para um professor.

Neste espaço, vocês podem mandar perguntas e sugestões.


Conto com sua participação.


PENSA QUE ACABOU ...



Projeto: Alimentação Saudável



A vida tem sido muito mais agitada nos dias atuais do que antigamente. Hoje a mulher  conquistou seu espaço no mercado de trabalho, portanto ela não dispõe de tempo para ficar em casa preparando a alimentação da família. Por conta disso ficou muito comum os famosos “fast-foods”, ou seja, comida rápida, industrializada. O que também significa comida  com excesso de gorduras, excesso de sódio ou de açucares,  sem nenhuma vitamina ou proteína. As crianças crescem conhecendo esse tipo de alimentação, e geralmente  essas comidas são agradáveis ao paladar o que representa um perigo à saúde dos pequenos. Pesquisas apontam que o Brasil está em estado de alerta por conta da obesidade infantil, com crianças tendo sérios problemas de saúde como diabetes e hipertensão arterial. Muitas crianças não conhecem frutas,
 nunca comeram  olham para uma fruta e dizem que não gostam sem nem mesmo experimentá-la.
A escola tem um papel fundamental na mudança desse tipo de comportamento, sendo um agente transformador, cabe a ela o desafio de promover a aquisição de hábitos saudáveis na alimentação e até mesmo no estilo de vida das famílias , fazendo um trabalho com projetos  para essas crianças.
Pode-se começar  pedindo para a criança fazer uma lista de alimentos que tem em casa, ou pedir pra criança fazer uma lista das comidas que ela mais gosta. Em seguida pedir pra pesquisar  com os pais as frutas que eles mais gostam, que vitaminas elas têm, e assim por diante, até chegar à pirâmide alimentar. 



Projeto: Alimentação Saudável



Série: 1os anos do Ensino Fundamental
Objetivos:
  • Ampliar o universo de conhecimento e respeito dos hábitos saudáveis;
  • Reconhecer a necessidade de manter bons hábitos alimentares;
  • Compreender a necessidade da higiene na manipulação dos alimentos e relacionar esse hábito com boa saúde;
  •  
  • Compreender o que é a importância do prazo de validade dos produtos industrializados;
  • Conhecer a origem de diferentes alimentos;
  • Reconhecer a influência cultural nos hábitos alimentares;
  • Conhecer receitas típicas de diferentes lugares.

Justificativa:
A escola como uma instituição de grande influência na vida das crianças é o lugar ideal para se desenvolver ações de promoção à saúde e o desenvolvimento de uma alimentação saudável.

Desenvolvimento:
  • Discutir com os alunos o que eles entendem por alimentação saudável e sua função no organismo.
  • Apresentar a pirâmide alimentar aos alunos.
  • Explicar a importância de ter uma alimentação variada, pois precisamos de diversos nutrientes para termos boa saúde.
  • Mostrar que uma alimentação saudável auxilia no crescimento do corpo.
  • Controlar a variedade e também a quantidade de alimentos consumidos.
Fazer uma lista de alimentos saudáveis que podem fazer parte do lanche da escola.
Escolher alguns deles e montar um cardápio de lanche saudável.
Solicitar aos alunos que perguntem em casa qual é o local de origem da família, e se existem hábitos alimentares e comidas típicas da região.

Finalização:
HIGIENE DOS ALIMENTOS
A higiene é fundamental para prevenir grande parte das doenças que podem ser transmitidas através dos alimentos e que constitui um dos principais problemas da saúde pública. Assim sendo, todo o cuidado deve ser tomado a fim de se manter a inocuidade dos alimentos, priorizando a qualidade dos mesmos, não só nas indústrias ou pontos de venda, mas também em casa.
Para, isso, são necessários alguns cuidados e a adoção de práticas simples, porém eficazes:
  • Lavar as mãos: deve se lavar as mãos antes de se iniciar o preparo dos alimentos.
  • Lavar cuidadosamente e em água corrente as frutas e vegetais que forem consumidos crus;
  • Manter os alimentos fora do alcance de insetos, roedores e outros animais;
  • Manter limpas as superfícies da cozinha: como os alimentos se contaminam facilmente, é imprescindível que a superfície utilizada para prepará-los seja mantida em condições de higiene adequada.
  • Conversar com os alunos a respeito do lanche que eles levam para a escola, iogurtes, por exemplo, devem ser levados em um recipiente especial para mantê-los refrigerados.
Além dos cuidados com o preparo dos alimentos, vale lembrar os alunos dos cuidados que devemos ter durante as refeições como lavar as mãos antes de comer, escovar os dentes após, etc.
  

Consequências da má alimentação:



 Pirâmide alimentar

 



Referências Bibliográficas

www.csajaboticabal.org.br/.../PROJETO-ALIMENTACAO-SAUDAVEL....
Google imagens

ENTREVISTAS


ENTREVISTA: SALTO PARA O FUTURO III

 
Magda Soares
Realizada em: 21/9/2009
Atuação: Professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais
Obras: Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998; Português: uma proposta para o letramento. São Paulo: Moderna, 2002; Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, p.143-160, 2002; Alfabetização. Brasília: MEC/Inep/Comped, 2001.

Anos iniciais do Ensino Fundamental
Observação: Esta entrevista foi realizada em Lagoa Santa (MG), onde era realizada a exposição do Projeto Paralfaletrar, que tem a consultoria da Professora Magda Soares e da equipe do CEALE-UFMG.
Salto – Hoje nós temos o Ensino Fundamental ampliado: a criança com seis anos já entra no primeiro ano desta etapa da escolaridade. Como podemos pensar situações de aprendizagem que coloquem essa criança em processo de  alfabetização e letramento?
Magda Soares – Essa criança, na verdade, já deve ter sido colocada na situação de alfabetização e letramento na educação infantil, uma vez que não se pode pensar que a criança está inaugurando seu processo de letramento e de escrita aos seis anos. Antes até de chegar na educação infantil, ela está convivendo com leitura, material escrito, mesmo nas camadas populares, pois nós vivemos numa sociedade grafocêntrica, cercada de livros e escrita por todos os lados. Então, é uma continuidade. A primeira coisa é que, aos seis anos, não é um momento de inauguração, é um momento de continuidade. É preciso ver em que nível a criança está de apropriação, tanto do sistema de escrita, quanto do processo de letramento para, a partir disso, criar situações em que esse processo tenha continuidade.

Salto – Como podemos conceituar letramento?
Magda Soares – Aqui, nesta exposição, nós estamos rodeados de atividades de letramento. São  crianças que estão em fase de alfabetização, temos aqui trabalhos de crianças desde a creche até o segundo, terceiro ano, no novo modelo, considerando este o terceiro ano das crianças que entraram aos seis anos. São crianças em processo de alfabetização, de apropriação do sistema alfabético e ortográfico de escrita, mas elas estão se apropriando disso no contexto de letramento, lendo livros de literatura infantil, e a partir daí a professora trabalha alfabetização. Elas estão escrevendo em situações reais criadas pela professora, não é uma situação falsa. A literatura dá um apoio muito forte a esse letramento. Por que, o que é o letramento? São as práticas de leitura e de escrita. Uma coisa é aprender sistema de escrita, para poder ler e escrever. Mas isso não resolve o problema da entrada no mundo da escrita. É preciso saber fazer uso disso,  saber escrever uma carta, saber escrever uma história, saber escrever uma fábula, um convite, etc. Mas fazer isso numa situação contextualizada, saber para quem eu estou escrevendo, porque estou escrevendo, tendo motivação para escrever. O  papel da professora, da escola, é criar essas situações que permitam esse desenvolvimento da alfabetização e do letramento articulados e, ao mesmo tempo, indissociáveis. Eu acho que essa é a síntese que nós conseguimos fazer agora. Nós tivemos um período em que ensinávamos o "beabá", para depois a criança praticar isso. Depois passamos por um período, que foi a época do construtivismo, em que esse "beabá" foi desprezado, de certa forma, foi marginalizado como um subproduto do letramento, ou seja, do convívio da criança com o material escrito. Acho que agora nós chegamos ao momento da síntese, que não é isto ou aquilo, são as duas coisas ao mesmo tempo, articuladas, embora cada uma com a sua especificidade quanto à metodologia de trabalho.

Salto –  No primeiro ano do Ensino Fundamental, de que oportunidades de aprendizagem o professor pode lançar mão para poder trabalhar com essas questões já aos seis anos?
Magda Soares –  Eu não diria que "já aos seis anos", porque este processo já começou antes. Mas, aos seis anos, o professor vai, talvez, colocar um foco maior na aprendizagem do sistema de escrita, mas sempre no contexto do letramento, criando situações de leitura de histórias para crianças. Se eu der um livro de histórias para a criança, sabendo ler este livro, dando todo contexto de letramento em que ele foi escrito, as próprias características do livro – quem escreveu, quem ilustrou esse livro – tudo isso interessa muito à criança, que está na fase da fantasia. Lemos a história para a criança e, depois,  trabalhamos algumas frases, algumas palavras. Ao invés de você buscar "A Eva viu a uva", vamos buscar uma frase que está no livro, contextualizada para a criança, aquela palavra central. Vamos pegar o LOBO  da história da Chapeuzinho Vermelho, e trabalhar o LOBO: escrever LOBO no quadro, trabalhar fonologicamente a palavra lobo, e dividir as sílabas – "o LO, se eu trocar o O por A vai ser o quê?" "Vai ser LA". É uma atividade lúdica, em que as crianças se divertem muito. Nós temos provas disso aqui neste município (Lagoa Santa), como as crianças gostam dessa articulação: de pegar o LOBO da história e transformá-lo em uma palavra a ser analisada.

Salto – Nós tivemos a oportunidade de gravar aqui, em Lagoa Santa, uma atividade em que a professora começava a contar a história, que era uma fábula de Monteiro Lobato, apresentando a capa do livro, a contracapa, abordando quem seria o autor, falando da editora. Qual a importância da apresentação destes elementos do livro para as crianças?
Magda Soares – Uma das facetas importantes do processo de letramento, sobretudo no plano atual, é conseguirmos contaminar as crianças com o prazer de ler o livro, com o gosto da leitura, com a paixão da leitura, que a gente tem perdido muito. E há razões para isso, que não interessa dizer aqui. Nós temos trabalhado muito o livro como um objeto cultural, e não só o livro como portador de  texto, mas o livro como objeto cultural. A gente faz as crianças cheirarem o livro, pegarem o livro, ver que o livro é um objeto que tem suas partes, como nós temos o rosto, as costas, as pernas, os braços. O livro tem a lombada, a capa, a quarta capa, e as crianças gostam muito disso. A ponto de vermos, frequentemente, crianças chegarem à biblioteca da escola e pedirem assim: "Essa semana eu quero levar para casa um livro, mas eu quero um livro que tenha lombada". E eu perguntei a uma criança: "Por que você quer um livro que tenha lombada?"; "Porque ele fica em pé." Esses livros infantis são muito fininhos, tanto que, na nossa biblioteca, eles ficam expostos; mas o livro mais grosso, de capa dura, ele fica em pé. E a criança queria um livro que tivesse lombada, e vemos como é importante isso: a criança tem uma relação com o livro, que é uma relação com o objeto cultural.


Salto – Fale sobre a riqueza que esse trabalho nos apresenta, e da especificidade lúdica que um trabalho como esse de alfabetização e letramento vai exigir, vai requerer.
Magda Soares – Eu acho que o que fica mais forte nesta exposição é observar um aspecto importante: costuma-se criticar e temer que, nessa entrada da criança aos seis anos no ensino fundamental, ela seria impedida de brincar, etc. Isso é uma falta de visão de como a alfabetização e o letramento podem ser atividades lúdicas, que envolvem muito a criança, tanto no aprender o sistema de escrita quanto, sobretudo, na aprendizagem da leitura. Como estamos vendo aqui, por exemplo: a criança trabalhando com trava-línguas. São crianças de seis anos, estão no 1º ano. Trava-línguas, o que é? É uma brincadeira, uma brincadeira com a escrita: "Papagaio come milho, Periquito leva a fama. Cantaram uns, choraram outros. Triste sina de quem ama". Isso está desenvolvendo a consciência fonológica, que é fundamental para a alfabetização e, ao mesmo tempo, a criança está escrevendo, está desenhando, está montando o caderninho dela de trava-línguas, com editora, com conceito de editora, conceito de capa, tudo isso ao mesmo tempo.
          Sobre a história em quadrinhos e o relatório: Nós colocamos muita ênfase no trabalho com gêneros diversos, que é algo fundamental para o letramento. Tempos atrás, só se trabalhava com a criança a história. A criança gosta de historinha, então devemos trabalhar só com histórias? Não. É preciso trabalhar com todos os gêneros. Por exemplo: aqui são crianças de Infantil 2, crianças de 5 anos, já trabalhando com história em quadrinhos e relatório. Elas já conseguem escrever o nome dos autores, o nome da escola, a história que leram, eles fazem a ilustração da história. Trabalham com as características da história em quadrinhos: as figuras, o uso do balão, eles ditam para a professora as falas, e as que já sabem escrever, escrevem diretamente. Estão criando o conceito de escrita de história em quadrinhos, o uso dos balões da história em quadrinhos.
           Sobre a história da Dona Baratinha: Foi contada a história, mostrou-se o livro, o ilustrador, o autor, etc. Depois, as crianças fizeram um livro e, quando elas fazem, sabem que tem a folha de rosto, e elas usam essa terminologia: "Ana Maria Machado contou e o terceiro ano recontou!". É um reconto da história da baratinha. Todos escrevem seus nomes e reescrevem a história. O interessante é que, quando dizem que ela vai casar, criam um livro de noivas, com vestidos, uma revista de noivas, para Dona Baratinha escolher o vestido dela. A criança vai descobrindo o uso da escrita para várias finalidades. Tem o convite de casamento. E a professora traz um convite de casamento para as crianças, mostra o convite e diz a finalidade daquele convite, e para onde vão os convites. E muitas das nossas crianças são de camadas populares e não vivenciam o uso de tudo isto. Tem a receita do bolo, elas discutiram como se constrói uma receita, viram livros. Construíram um mapa da festa e, assim, articulam este conhecimento com outras áreas. Trabalha-se o bilhete contextualizado com a história. É lúdico, as crianças se divertem para criar isto. Pensam no texto para a internet, a venda do livro da Dona Baratinha, o pagamento que pode ser feito por vários cartões. E, dessa forma, trabalham os vários gêneros a partir da história que está aqui. Elas estão aprendendo a ler e a escrever os diferentes gêneros de leitura e escrita que circulam na sociedade. Não só a ler, mas a reconhecer e a escrever também.

Salto – E qual a importância desse processo de alfabetização para o processo inteiro de uma educação ao longo da vida?
Magda Soares – Sem esse processo inicial, a educação não vai para frente. Eu tenho uma história interessante na minha vida profissional, porque eu comecei trabalhando com ensino médio, e aí eu passei para a segunda etapa do ensino fundamental, e pensei: ainda não é aí que eu tenho que trabalhar. Passei a trabalhar com pesquisa, a realizar estudos na prática com as séries iniciais, e de um tempo para cá percebi que tinha que ir  para a educação infantil e para a creche, pois é aí que está a base. Se nós não formamos e não construirmos o alicerce aí, não há futuro para essas crianças. Porque sem dominar a leitura e a escrita e as práticas sociais de leitura e de escrita, eles não têm um futuro garantido na vida de aprendizagem, para aprender Geografia, História, até chegar ao ensino superior. Sem essa base não é possível. E na vida pessoal, profissional também, porque, em nosso mundo, se a pessoa não está inserida no mundo da escrita dificilmente vence, ou até mesmo não vence.









Roger Chartier
Realizada em: 25/6/2004
Atuação: Professor e Diretor do Centro de Pesquisas Históricas na École des Hautes em Ciências Sociais na França.
Obras: História da vida privada: da Renascença ao Século das Luzes, em co-autoria com Philippe Ariès pela Companhia das letras, 1991; A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora UnB, 1994; A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.
Evento Alagoas
Salto – A primeira pergunta que vamos fazer tem como ponto de partida um de seus textos, no qual o senhor assinala que o texto eletrônico nos é apresentado como uma revolução, mas que na história do livro já houve outras revoluções no campo da leitura. Por que a idéia de revolução associada a mudanças no campo da leitura?
Roger Chartier – Em primeiro lugar, porque os historiadores gostavam de uma ruptura radical, que separa o presente do passado, que permite estabelecer uma cronologia bem clara quanto à evolução histórica, e daí talvez o uso ou o abuso da palavra revolução dentro de todo o marco do trabalho historiográfico. Neste caso, os historiadores da cultura escrita designaram diversas revoluções, algumas que têm a ver com a técnica de reprodução dos textos. Evidentemente, a revolução da metade do século XV, com a invenção da imprensa por Gutemberg, é uma revolução tecnológica, e outras revoluções têm a ver com a forma do próprio livro, o suporte, em suas estruturas fundamentais. Por exemplo, no começo da Era Cristã, se inventou o livro tal como ainda o conhecemos, quer dizer, um livro composto por folhas dobradas, páginas, encadernação, um livro totalmente diferente do que leram Platão ou Cícero, na Antigüidade grega ou romana, que era o livro em forma de rolo. E um outro nível, que você já menciona, que são as revoluções da leitura. No século XVIII, pensou-se que havia uma revolução da leitura, porque o que havia era uma leitura tradicionalmente ligada a um conjunto limitado de livros lidos, relidos, a uma leitura que sempre conservava uma espécie de relação de autoridade, ou de sacralidade. E, com a cultura escrita, este tipo de leitura foi substituído por uma maneira mais rápida, mais efêmera, mais devoradora de ler. E aí surge a idéia de uma revolução extensiva da leitura que, supostamente, havia substituído uma leitura intensiva. No século XIX, a alfabetização generalizada, por um lado, e por outro lado, a difusão de novos objetos impressos, tais como os jornais, por exemplo, configuraram uma revolução que se identificava com uma democratização da leitura. 
Os historiadores da Idade Média pensavam também em uma revolução, mas de maior duração, que era este o processo através do qual os leitores, mais hábeis e mais numerosos, adquiriram a possibilidade de ler como nós, silenciosamente, só com os olhos, enquanto nos primeiros séculos da Idade Média se necessitava ler em voz alta para entender o texto. Tudo isso constitui um repertório de revoluções, da técnica, do suporte, da prática de leitura. É possível discutir se, a cada vez, o diagnóstico de revolução é o melhor, porque se pode pensar em mutações, em transformações, sem necessariamente implicar o conceito de revolução. Para mim, me parece que hoje em dia, ou no futuro, poderemos falar de uma revolução que se entrelaça com a técnica eletrônica. Porque, pela primeira vez, estes três níveis: o nível da técnica, o nível da forma de suporte e o nível da prática de leitura se transformaram ao mesmo tempo. Quer dizer que a textualidade eletrônica é, evidentemente, uma revolução tecnológica, que transforma totalmente a forma de inscrição da cultura escrita, substituindo pela tela do computador todos os objetos e a cultura impressa: o livro, o jornal, a revista, etc. E isso implica, ou permite, uma transformação da relação com o texto escrito pelo leitor. Por um lado, criando a multiplicação dos vínculos e, a partir daí, uma hipertextualidade disponível para o leitor; e, por outro lado, impondo uma leitura descontínua que tem formas e práticas totalmente diferentes da leitura diante de um livro ou de um periódico. Digo-lhe mais, antes, nunca aconteceu isso. Quando se inventou o Codex, livros dos séculos III, IV, até o X da Era Cristã, não se mudou a técnica utilizada para copiar os textos, nem antes nem depois, a única técnica disponível era a cópia à mão. Quando Gutemberg inventou a imprensa, não mudou a estrutura do livro. Um livro manuscrito ou um livro impresso têm a mesma estrutura morfológica: folhas, páginas, encadernação. E as revoluções da leitura que mencionei também se desdobraram numa estabilidade tecnológica: a leitura silenciosa da Idade Média foi inventada e construída dentro do mundo da cultura manuscrita, e a revolução da leitura do século XVIII foi instalada dentro de uma estabilidade técnica da imprensa de Gutemberg. É também dentro do mundo da cultura da imprensa que podemos considerar uma revolução democrática, quer dizer, uma revolução da leitura, no século XIX. Daí a importância das transformações do presente, porque, ao procurar impor uma vinculação, encontrar-se-á, previamente, a história de longa duração da cultura escrita.

Salto – Em que medida a internet vai substituir os impressos: periódicos, livros... Os leitores se tornarão mais seletivos, mais dispersos?
Roger Chartier – Essa é uma questão muito profunda. Em primeiro lugar, estou pensando nos diários (jornais). Efetivamente, parece que podemos ler o mesmo jornal em uma forma impressa, ou na forma eletrônica. De fato, não lemos as mesmas coisas porque na forma eletrônica se procura um artigo particular, a partir de uma ordem hierárquica, a partir de rubricas, temas, palavras-chave, e desta maneira se lê um jornal diário, um pouco como se lê uma enciclopédia ou um dicionário. Por outro lado, quando se lê o mesmo artigo em forma impressa, o leitor, inconscientemente, constrói um sentido para o que lê, a partir da relação com a mesma página ou dentro do jornal como um todo, incluindo os artigos, colunas, publicidade, imagens, etc. Vê-se que há duas lógicas de leitura totalmente diferentes: uma lógica enciclopédica e hierárquica, e a outra, uma lógica espacial e contextual. Daí, quando se fala de um jornal, e mesmo de uma revista, a possibilidade de ler um artigo sem saber nada dos outros artigos publicados no mesmo número do jornal, ou da revista, pode representar o risco de o leitor não perceber qual é a intenção global, crítica, ideológica e intelectual que governa a produção da revista como tal, ou do jornal como tal. 
E daí a pertinência da pergunta para o livro, porque, se se aplica ao livro esta mesma técnica, vê-se, efetivamente, que se podem extrair as passagens particulares sem a percepção nem o conhecimento da totalidade da obra como livro. A ambigüidade vem de que, para nós, o livro é, ao mesmo tempo, um objeto diferente dos outros dentro da cultura imprensa, cada um pode ver e saber que um livro não é uma revista, não é um arquivo, não é uma carta pessoal, etc. É um objeto que tem sua singularidade, mas também é uma obra. Identifica-se, por exemplo, o livro de Umberto Eco como um objeto material, é um objeto material, mas quando se diz isto, o que se evoca é a obra de Umberto Eco. A partir deste momento, vemos que o que se passa é a destruição desta vinculação tão forte entre um objeto particular e o conceito de obra. A partir deste momento, ler uma novela ou um livro de história como se lêem os artigos de um jornal eletrônico é transformar a relação com o texto, é extrair fragmentos totalmente separados do contexto global da identidade da obra. O que sugere sua pergunta é que, finalmente, na técnica eletrônica, cada texto pode ser considerado como um banco de dados. Quer dizer, um repertório do qual se extraem fragmentos, sem saber, sem perceber, sem conhecer a totalidade dos elementos, que estão juntos com esse fragmento. Talvez para um banco de dados não seja um obstáculo. Ao contrário, permite ir diretamente ao fragmento que é útil, mas, para uma obra que foi concebida, em sua lógica, inteira, com um projeto estético, intelectual, um projeto ideológico, é uma forma, me parece, muito arriscada, porque destrói o próprio conceito do livro como obra. É a razão, terceiro ponto, pela qual me parece que isto se refere a um futuro, tal como o podemos imaginar nos séculos XXII, XXIII, XXIV, mas, para nosso século, parece-me que a conclusão é a de uma coexistência, segundo os usos particulares, das técnicas, das diversas formas. Pela primeira vez na história da humanidade, podemos dispor da possibilidade de escrever à mão, de receber, de produzir uma longa e ampla cultura impressa, e utilizar a tecnologia eletrônica. Seria totalmente absurdo pensar que uma delas substitui todas as outras. Essa é uma experiência que as editoras fizeram recentemente, para as enciclopédias e os dicionários: evidentemente, a forma eletrônica é a mais sutil, porque permite extrair informações sem perder tempo, porque permite atualizar o conteúdo das notícias segundo as mudanças que estão ocorrendo no mundo. E aí, como sabemos, a Enciclopédia Britânica e a Enciclopédia Universal decidiram publicar unicamente numa forma eletrônica, mas os editores que tentaram na França (não sei em outros locais) lançar coleções de romances, livros de histórias, ensaios em forma eletrônica fracassaram, e finalmente abandonaram o projeto, como se os costumes de leitura, os costumes do leitor, diante deste gênero, supusessem a necessidade de considerar a obra em sua totalidade e em sua coerência. Em um livro impresso, não é necessário ler todas as páginas. Cada um pode eleger, extrair, folhear, porém o que se impõe é a totalidade da obra através da forma material, e não é a mesma coisa folhear um panfleto de 24 páginas ou um romance de 500. E se vê que aqui há a visão, a percepção, quase inconsciente, física, num certo sentido, da obra como tal. E daí, me parece que já entramos num mundo de uma coexistência, algumas dessas não pacíficas, mas que coexistem entre as três modalidades de transformação, de transmissão do escrito. É possível escrever a cultura manuscrita, a cultura impressa e todos os textos da tela do computador.

Salto – Qual é a sua opinião sobre o uso do livro didático na escola?
Roger Chartier – Essa é uma questão que devemos analisar com toda a prudência: me parece que podemos pensar em maus ou bons usos dos livros; quando se impõe uma forma de cultura totalmente livresca, sempre há o risco de afastar os alunos da realidade social. Porém, se o livro é o centro de um conjunto de práticas, a palavra viva, a construção coletiva de uma identidade, de um projeto escolar, me parece que o papel do livro é absolutamente fundamental, porque até agora o livro, desde a Antigüidade Grega até o presente, foi, se não o único veículo, o veículo essencial da transmissão dos conhecimentos, saberes, prazeres, que cada indivíduo pode ter com o passado, com o presente, ou com a sociedade em que ele vive. Costuma-se organizar, a partir do livro, ao redor do livro, uma série de práticas culturais que me parecem importantes. Aqui também penso que, a cada dia, os mestres ou mestras inventam uma forma de fazer isto e, quando vemos nas escolas os projetos de uma pesquisa coletiva, quando se organiza uma relação entre palavra viva e o texto escrito, tudo isto me parece uma maneira de responder à sua pergunta. Outra coisa que me parece importante é que, no Brasil, havia uma experiência interessante. Quando se fala de livro e da escola, se fala sempre no livro dentro da escola. E o importante é que as crianças vão encontrar livros na escola. Por diversas razões, econômicas ou culturais, nunca vão encontrar livros em sua casa, e daí é uma iniciativa fundamental, me parece, quando a escola ajuda na presença do livro fora dela. Se há bibliotecas escolares abertas ao público, ou como o que foi feito há alguns anos aqui, que as crianças, ao sair da escola, saíam com cinco livros que eram breves, muito elegantes, muito agradáveis de ler e que permitiam transferir para a casa do aluno algo da presença livresca da escola. E os editores brasileiros haviam composto um pacote de cinco livros: um livro de poesia, um romance, um de contos, um de tradução de livro estrangeiro, em uma forma abreviada, se fosse uma obra imensa, ou um livro, que era muito original, que era uma obra teatral. Parece-me que é um exemplo desta idéia, do livro recebido dentro da escola, mas projetado para fora dela. 

Tradução: Maria do Carmo Cardoso da Costa

Referências: http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=60 http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/imagens.asp http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=57







Entrevista com Paulo Freire


Jornal dos Professores – Paulo Freire, 70 anos, professor falando com os professores. Nós poderíamos começar assim: quando surgiu em você o desejo de ser professor? Como foi?
Paulo Freire – Fui um menino cheio de “anúncios docentes”, o que não significa que eu tenha nascido professor. Agora quando eu me revejo, me retorno – coisa que gosto de fazer – me lembro que era um menino curioso. Um professor que não exerce a curiosidade está equivocado. Eu me perguntava muito, perguntava aos outros, era metódico no estudo. Sofria quando não aprendia e receava que isso prejudicasse o meu próprio processo de estudo. Tinha certas preocupações que a gente pode chamar de pedagógicas. Na adolescência, sonhava tanto em ser professor que às vezes, para mim, era difícil perceber que estava no nível imaginário e não do real: eu me via dando aula.

O que o levou ser professor?
Eu dizia que havia duas razões visíveis para eu ter me entregue ao Magistério. Uma era a necessidade de ajudar. A minha família sofreu o impacto da crise de 1929, tivemos que nos mudar do Recife para Jaboatão. Foi uma espécie de decisão mágica da família, para ver se fora seria melhor. Mas não deu certo.

A falta de dinheiro e o endividamento continuaram lá. Quando eu tinha meus 18 ou 19 anos, estudante de ginásio, eu precisava ajudar em casa. Meus dois irmãos estavam trabalhando normalmente, muito sacrificados; minha irmã estava no último ano da Escola Normal e a única maneira de eu ajudar era ensinando.
A segunda, na verdade, foi uma questão de gosto intelectual. Eu era muito menino quando descobri certa paixão pelos estudos de Gramática e deis saltos por mim mesmo.


Eu li todos os bons gramáticos brasileiros e portugueses que consegui comprar em sebos, tinha uma paixão enorme e foi exatamente me servindo dos conhecimentos que fui adquirindo que me tornei, antes mesmo de estar dando aula, competente para dar aula. Dando aula a jovens de classe média, tão apertados quanto eu em Jaboatão, fui me tornando professor. Quando digo que ninguém nasce professor, eu tenho a experiência viva disso.
Como era a vida em Jaboatão?
Muito dura, muito sofrida. Meu pai morreu quando eu tinha 13 anos, o que agravou ainda mais a crise. Eu me lembro de certos momentos da vida de minha mãe e quando em me lembro deles tenho uma sensação de mágoa. Era, por exemplo, acompanhando-a que eu pude ver com que rosto de vergonha, de intimidação, ela ficava quando o sujeito da venda – minha mãe ainda não havia posto o corpo inteiro na porta – gritava por trás do balcão que não venderia a ela porque a dívida já era grande e que não acrescentaria mais.

Ela nem balbuciava um “desculpe” ou “muito obrigada”, voltava-se para a rua e saía e eu atrás, sem comentários também. Essa coisa me marcou profundamente.
Eu cresci com um baita respeito por ela e também com o senso de muita responsabilidade perante ela. Acompanhei muito de perto a dor dela, seu sofrimento e fiz de tudo o que pude durante toda a minha vida em termos de ajudá-la, de mantê-la. Até a morte dela eu não a vi mais, porque estava no exílio e não podia voltar ao Brasil. Isso na verdade não tem muito a ver com sua pergunta. Faz parte da minha trajetória, da minha rua, da minha estrada. Foi um beco em que entrei agora.
Voltando à sua experiência como professor. As suas primeiras aulas foram particulares?
Meus alunos eram meus próprios colegas. Eram muito bons em outras disciplinas e não em Língua Portuguesa.

Com alguns eu permutava, ensinavam-me Matemática, por exemplo, e eu o Português. Outros pagavam. Anita, minha mulher, à vezes reclama porque faço algumas coisas sem cobrar e eu até nunca disse a ela: no tempo em que na verdade precisei eu cobrei e fui muito rigoroso nas cobranças. Mas bastou não precisar muito que eu já reduzi o rigor. Eu sou um pouco gratuito e não me arrependo.
Você também usufruiu de gratuidade na sua formação…
O pai de Anita, Dr. Aluisio, dono do Colégio Osvaldo Cruz, em Recife, foi absolutamente gratuito comigo, me possibilitando estudar sem pagar. Não foi bolsa aquilo. Dr. Aluisio me permitiu, me ofereceu estudo como um direito. Ele nunca me chateou e nem à minha mãe para saber se a gente iria e se podia pagar. Não importava ao Aluisio até seu eu pudesse pagar. Ele disse: “eu acredito no que a mãe dele em disse”.

E sua primeira aula?
O interessante é que com 16 anos eu escrevia rato com dois erres e interessante com cedilha e aos 19 anos eu já era professor e, cá para nós, eu me achava um grande professor.

A primeira aula particular foi lá mesmo na minha casa, numa salinha. Agora, na homenagem de 70 anos que fizeram para mim em Pernambuco, meu primeiro aluno foi lá, com a esposa dele, me abraçar. Foi meu primeiro aluno. Teve a coragem de fazer essa experiência.
E como foi essa primeira aula?
Eu devo ter começado a propor a ele uma compreensão gramatical da estrutura do discurso. O interessante é que naquela época, sem saber nada, eu já partia para compreender as palavras nas relações que elas têm dentro do texto e não as palavras isoladas. Por exemplo, eu nunca dei aulas de verbo, a não ser pedindo aos meninos que criassem sentenças com os verbos.

Esta sua faceta como professor de Português não é muito conhecida. Como você enveredou para a Pedagogia?
Houve um momento em minha vida em que eu era conhecido na roda dos professores e também dos colégios como um dos bons professores de Língua Portuguesa. Houve outro momento da minha vida quando, deixando o Magistério, tive o convite para trabalhar no Serviço Social da Indústria, o SESI, recém-criado pela Confederação Nacional Indústria e instituído por decreto presidencial, num momento político que revela certa posição crítica das chamadas forças produtoras das classes dominantes brasileiras, empresariais. Eu tenho quase certeza de que em certo momento dos anos 1940 a classe dominante do Centro-Sul, preponderantemente de São Paulo, anteviu que o processo de presença popular da história política brasileira, a classe operária de São Paulo, seguindo o exemplo dos anos 1920 (com a chegada dos italianos radicais, de esquerda, anarquistas) deu um baita impulso à consciência operária brasileira. É como se a classe dominante dissesse naquele momento: “é preciso fazer o possível para continuar ocultando certas verdades”.

O SESI, o SESC, o SENAI e o SENAC nasceram com essa tarefa, de dourar a pílula, de fazer uma assistência que se estendesse ao assistencialismo e com o qual se faria política, mas a política da classe dominante.
Eu até digo isso sem nenhum medo de estar cometendo uma injustiça. A análise correta para mim é essa. Vejam que coisa maravilhosa.
Eu fui convidado para trabalhar esse recém-fundado SESI de Pernambuco e foi exatamente a minha prática dentro do SESI que me radicalizou.
Você era um agente de ocultação…
Eu nunca fui um agente da ocultação e me antecipei como desocultador. Agora, no texto que estou escrevendo, em que retomo a “Pedagogia do Oprimido” faço uma incursão à minha passagem pelo SESI e digo que se bem que ela sozinha não explica a “Pedagogia do Oprimido”, sem ela, porém, eu não posso explicar.

Esta passagem foi e é um dado fundamental que me explica como educador progressista hoje.
Quer dizer que, mesmo servindo aparentemente à classe dominante, você pôde realizar um trabalho de conscientização nos filhos da classe operária…
Por aí você vê como estavam equivocados e continuam alguns, espero, em menor número, os sectários de esquerda que afirmavam, por exemplo, que aceitar um simples convite para ir a uma universidade dos Estados Unidos era vender-se ao imperialismo e que esse fato, por si só, significava um atraso ideológico, político. Isso não revela cientificidade nenhuma; revela nenhuma compreensão crítica da História; me dá mais pena do que raiva.

E os empresário paulistas, a FIESP, como está hoje?
Naquela época, os empresário eram uma elite de intelectuais – como Roberto Simonsen, pai do Mario Henrique, que era um homem inteligente, grande economista – que foram para mim muito mais clarividentes do que alguns reflexos daquela geração como o Amato. Quando você lê o que diz Amato hoje não tem nada a ver com a clarividência que tinha o Simonsen, por exemplo. Eu acho que houve certo retrocesso na classe dominante.

Mais selvagem…
Mais dominante, mais selvagem.

Conte mais sobre a “contribuição” do SESI na sua formação.
No SESI em aprendi a estabelecer certa comunicação com a classe trabalhadora, urbana e rural. O SESI me deu essa chance. E foi a aprtir do SESI que eu passei a dar saltos dentro do próprio município e cada vez mais eu comecei a ser chamado para discutir termos pedagógicos. Então, eu fui me tornando um pedagogo também, um cara que pensava a prática educativa e que por isso mesmo propunha certa teoria dessa prática. Eu estou escrevendo muito sobre isso. Agora preciso até me conter.

Conte um pouco a sua experiência com adultos, as reuniões de Pais e Mestres, enquanto diretor da Divisão de Ensino do SESI.
Na Divisão de Educação aprendi as técnicas diferentes de ter encontro com grupos de adultos, aprendi, retifiquei os erros que cometi através das críticas que os operários me faziam, começando pelas coisas mais tradicionais até chegar a uma coisa que, eu acho, nunca foi feita em termos de prática na escola, que a gente chamava naquela época, pomposamente, de Círculo de Pais e Mestres e que eu amenizei, chamando de Pais e Professores.

Comecei a fazer círculos, reuniões programadas e conseguia uma seqüência enorme.
Discutia antes com os professores a problemática fundamental que eles viam naquela escola, escolhíamos a temática parcial, porque caberia à família dar a outra ponte. A primeira eu fiz. Daí em diante, terminava uma reunião, fazia-se a temática da próxima, o que eu chamava de “carta temário”. Os professores tinham seminário comigo sobre o tema que ia ser discutido na próxima reunião.


Na “carta temário” eu desafiava os pais para que eles discutissem com os companheiros de rua, com os vizinhos. Eles precisam trazer para o Círculo não a opinião deles, mas da rua toda, do bairro, se possível. Resultado: passamos a ter 95% de frequência.
Isso acontecia em uma Escola?
Não. Eram vinte e tantas Escolas do SESI.

O interessante é que o SESI lhe dava espaço, apesar da ideologia…
Sim, eu tive todo o espaço para desocultar, apesar da ideologia ser ocultadora.

Você aproveitou a estrutura dos capitalistas para fazer exatamente o contrário da ideologia do capitalismo…
Claro, para fazer um trabalho democrático.

Houve algum episódio nesses Círculos de Pais e Professores que você gostaria de contar?
Eu Nunca vou esquecer de uma coisa que está dito em inglês, porque contei isso nos Estados Unidos e saiu publicado. Um Círculo de Pais e Professores em que o tema geral que afligia os pais e as famílias era o da disciplina na família, na Escola: o prêmio do castigo.

Eu tinha feito uma pesquisa no SESI com 1.500 famílias e tinha encontrado um resultado trágico: a preponderância era de castigos físicos e violentos. Crianças amarradas com cordas, meninos que apanhavam surras. A única área em que o castigo sumia e caía na licenciosidade mais absoluta era a área praieira. Nesta zona, de pescadores, a relação pai-autoridade-liberdade era total a permissividade. Eu tinha um resultado diante de mim que era absolutamente negativo dos dois lados.
Para discutir o problema do castigo, do prêmio, na relação autoridade-liberdade eu resolvi falar um pouco sobre o código moral da criança, mostrar que ele não tinha nada a ver com o código moral do adulto e que a permissão e a premiação passam pelo código moral.
Ou passam aceitados ou passam rejeitados, mas passam sempre.
Para explicar essa coisa em me baseio todo, já que naquela época, em Piaget.

Você pensava que eles entenderiam Piaget?
Eu teria que fazer a tradução, adequar o discurso científico de Piaget ao discurso concreto da classe trabalhadora. Ou eu era competente para fazer isso ou meu discurso não seria inteligível. Na época eu não era capaz de fazer isso. Eu não entendia como é que não me entendiam. Era tão claro para mim.

Como é que você aprendeu isso?
Com exemplos. Não foi invencionice da minha cabeça. Eu precisei descobrir que estava errado. Então neste tal dia em que eu falei de como alcançar a criança, disse que um dos caminhos era exatamente o diálogo com a criança. Quando acabei, um sujeito se levanta de lá e diz: “nós acabamos de ouvir o Dr. Paulo Freire que falou uma fala realmente muito bonita. Agora eu queria dizer umas coisas ao doutor que eu acho que meus companheiros todos concordam”.

Era um dos pais?
Sim, um dos pais. Um sujeito de cara forte mas mansa. Um cara de sabedoria, que falava com certa condescendência, expressava um certa pena de mim. Ele olhou para mim e disse simplesmente “doutor, o senhor sabe onde a gente mora?”. E descreveu, afinal, a geografia da casa dele, a história e a cultura da casa dele. As necessidades dele, da mulher, dos filhos, as pressões para sobreviver a tudo isso. A dor, o cansaço. Chegar em casa de noite, morto de fome e cansaço tendo que acordar no outro dia, às 4 horas da manhã, portanto, tendo que dormir.

E os meninos endiabrados, diabólicos, fazendo o maior barulho do mundo. “Numa situação como essa, doutor, o pai bate e não dialoga. Mas não é porque ele não ama. É porque não pode amar como o senhor pode”. E prosseguiu: “eu vou dizer ao senhor como é a sua casa, eu nunca fui lá, mas vou descrever”. E descreveu perfeitamente a minha casa.
Quer dizer que nós temos um país com esperança ainda. Um homem do povo criticar…
Ainda são possíveis as reformas de base…
Exatamente, que beleza! Eu vivi estes momentos de esperança, lindos. Que consciência de classe tinha esse homem, sem nunca ter lido Marx nem Engels. Como, a partir do conhecimento da geografia da casa, ele introduzia a vida. Ele sabia os conhecimentos que você tinha e, inclusive, a forma errada de conhecer. Hoje, sem saber seu nome ou se vivo está, ainda não creio. Rendo, através do jornal de um sindicato de trabalhadores, a minha homenagem e meu agradecimento a esse homem. Ele foi meu grande pedagogo.

Naquela noite, qual foi sua reação?
Eu confesso a vocês que naquela noite fui afundando na cadeira. Se houvesse possibilidade, eu me escondereia. Às vezes me dá gana de ir lá, ver se ainda existe, perder a humildade e botar uma placa: “AQUI PAULO FREIRE APRENDEU QUE NÃO É POSSÍVEL FAZER SEU DISCURSO PARA O POVO, QUE É PRECISO PRIMEIRO APRENDER A COMPREENSÃO DO MUNDO QUE O POVO ESTÁ TENDO, PARA DEPOIS FALARMOS DA SUA INTELIGÊNCIA”. Dá vontade de fazer isso, mas seria arrogante demais.

O que ficou deste aprendizado na sua formação, nas suas obras?
Foram essas coisas que me trouxeram mais tarde como pedagogo, a fazer afirmações como esta, por exemplo, e até hoje, nem todo mundo entendeu: “o ponto de partida de um projeto educacional está na identidade cultural dos educandos e não dos educadores. Está na compreensão de mundo dos educandos. Está na sabedoria de que os educandos estão molhados, ensopados. Não importa que seja saber de experiência feita, portanto, de senso comum. Ninguém supera o senso comum a não ser partindo deste nada. Eu não posso superar o senso comum a partir do meu senso rigoroso. Eu tenho primeiro que assumir a ingenuidade do educando, me papar dela também, depois dar o braço ao educando e partir para superá-la. Isto não se faz! A Escola admite que o aluno é tábua rasa para ela. Não traz nada do mundo e depois que vem para ela continua não recebendo nada do mundo. Só que a Escola dá. Esta não pode prestar, tem que fechá-la”.

Na história das suas reflexões, das que vão poder dar o salto, o reposicionamento, tem sempre o momento do diálogo com alguém qualificado que ajuda este processo…
Ah sim. Eu tinha com quem conversar, trocar ideias. Em primeiro lugar, eu batia os papos com Elza, minha primeira mulher, educadora também, a quem devo muito, porque é difícil você viver 42 anos sem dever a ela e ela a você. Senão é cínico, é louco!

Em segundo lugar, eu tinha dois ou três amigos com quem trocava ideia, na acepção correta. O Paulo Rosas era um deles. Além disso, eu recorria a leituras que abriam caminho para mim da compreensão da formação social brasileira, profundamente autoritária. Depois, leituras que me ajudaram a descobrir como essa ideologia autoritária se reproduzia e como ela se manifestava em comportamentos diante dos quais eu estava vivendo.
No seu método de descoberta é interessante como a ideia vem antes da prática: como a gramática e o fascínio por ela o levam a dar aula. É interessante como é que não é o movimento social que o mobiliza de início…
Eu acho que o que houve comigo é que há contigo e com todo mundo. Houve um movimento dialético. Em certos casos foi minha ideia, abstração que moveu, em outros, não. Mas sempre a prática testou isso. Quem me faz sair do discurso de Piaget para discutir Piaget com eles, a partir da concretude deles, foram eles e foi a minha prática de fazer um discurso sobre Piaget que me ensinou que estava errado.

Guimarães Rosa, através de um personagem, diz a certa altura: “Toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada”. Durante décadas se trabalhou com a ideia de que a classe operária seria a vanguarda das transformações. Neste momento, os trabalhadores passam por um momento muito complexo. Afinal, quem é vanguarda das transformações? Será o povo, a classe trabalhadora ou a intelectualidade que não vive as mesmas condições de necessidades?
A prática do oprimido para superar a realidade opressora começou na palavra pensada, que é exatamente o discurso antecipado do oprimido, da história. Enquanto a classe trabalhadora não tiver a possibilidade de teorizar o próprio discurso, somos nós, os chamados intelectuais progressistas que temos que fazer isso, indiscutivelmente. Mas ao fazermos isso, não nos tornamos, necessariamente, vanguardas ou donos ou senhores do processo. Isso é o que muitos de nós fizemos, como intelectuais que pensávamos possuir a verdade revolucionária, que havia sido cientificamente proclamada, mas não necessariamente realizada.

Mesmo depois dos acontecimentos no Leste Europeu?
Para mim, depois de tudo isso que ocorreu no Leste Europeu, eu não vejo porquê me desiludir da utopia socialista. Eu acho que na história, pela primeira vez, a gente está diante de uma possibilidade , ao reconhecer que a experiência anterior do socialismo nasceu equivocada porque se deu toda ela metida numa moldura autoritária. O que não prestou na experiência do Leste Europeu não foi o socialismo, não. Foi a moldura autoritária dentro da qual o socialismo se extraviou. Assim como o que presta no Ocidente não é o capitalismo, não. É a moldura democrática da qual o capitalismo se serviu. O que a gente precisa hoje é motivar-se por uma outra luta, ainda pelo socialismo, mas arrebentando as molduras autoritárias em que foi metido e arrebentando a moldura democrática que está cobrindo e encobrindo o capitalismo para superar, mesmo agora, o capitalismo. Do ponto de vista da compreensão histórica, eu nunca estive tão otimista. Eu nunca percebi um momento tão importante para a prática pedagógica quanto este.

Uma volta aos anos 60?
Não voltando ao pedagogismo dos anos 60, em que se pensou que prática educativa, sozinha faria revolução. Mas agora reconhecendo os limites da prática do capitalismo e descobrindo a força da educação, que está na fraqueza dela. Elsa sozinha não faz a mudança social, mas também, a convicção – e aé vem a fortaleza da Educação – de que não é possível fazer mudança sem ela.

O que a gente tem a fazer hoje é instalar-ser num otimismo crítico, de que a prática educativa – que se dirija no sentido de desocultação das verdades – é absolutamente indispensável à mudança do mundo.

O que leva um jovem hoje a querer ser professor? O que seria hoje o trabalho do professor no quadro de desesperança em que o indivíduo já não influi. O que motivaria um professor a dar aula?
A boniteza do momento de dar aula independente. Ela faz parte da natureza do ser da prática educativa. Por isso que eu acho tão importante que o educador se assuma fazendo boniteza. No fundo, as quatro dimensões da natureza da prática educadora são: a gnoseológica, a estética, a ética e a política.

A prática educativa fecha essas quatro dimensões. Como educador, o professor faz política, então, ele tem que se assumir politicamente. Para saber que ele tem um sonho que é político. Qual a utopia dele? Que modelo da sociedade ele gostaria de provocar, de produzir com os outros? Neste momento, independente do salário, o professor descobre mais boniteza ainda em sua prática.
O professor, também, tem que mudar a postura. Se é coerente e progressista, o professor tem que saber que não pode mediar nenhuma atitude dominante. Ele é o refazedor do feito. Propor ao aluno que re-saiba o sabido, que reconheça o conhecido, que reproduza o produzido. Isso é produzir uma postura crítica no educando. Isso só o sujeito faz. E quanto mais você faz, mais se capacita para trabalhar a transformação utópica da sociedade.
Chamar o aluno a assumir-se enquanto o conhecedor, não recipiente do conhecimento que se transfere. É assim que ele vai aprender. O que libertará o menino operário, se ele entrar num processo de luta política, é a consciência de que pode conhecer e pode fazer História.






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